O Papa Francisco convocou para outubro próximo a Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, para debater o tema "Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização". Um questionário foi encaminhado a todas as dioceses, para reunir subsídios de reflexão que possam contribuir ao discernimento dos bispos, que apresentarão uma síntese ao Papa, que poderá tomar decisões para enfrentar "as novas urgências pastorais que dizem respeito à família", conforme expressou em sua carta às famílias - http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?id=99234 -. Conclui a carta, rogando a oração pelo Sínodo dos Bispos, "um tesouro precioso que enriquecerá a Igreja".
Sim, devemos rezar, e muito. Seguindo o
lema de São Bento: "Ora et Labora". E mais, conforme pediu o próprio
Jesus: "Orai e vigiai!" Os tempos atuais, na vida da Igreja, requerem
oração e vigilância.
Lembro-me da primeira votação que
acompanhei do Projeto de Lei que visava legalizar o aborto no Brasil, em 7 de
dezembro de 2005, na Comissão de Seguridade Social e Família, na Câmara dos
Deputados, ocasião em que compareceu no plenário 7, o amigo Dom Geraldo Majella
Agnelo, então presidente da CNBB. Em meio a votação, que por um voto apenas,
rechaçou o PL 1135/91, um dos membros da Pastoral Familiar chegou-me a dizer
que não conseguia entender o que estava acontecendo, de como a Igreja parecia
ter sido enredada numa areia-movediça cultural, e que cada vez mais se via
dando braçadas contra a corrente dominante, de uma cultura anticristã, mas que
agia contra a Igreja, de modo sutil e sofisticado. Já naquele instante, ele me
dissera perceber que a pressão era muito forte, que os meios de comunicação
disseminavam, em novelas, filmes, programas de auditório, seriados etc., toda
uma mentalidade corrosiva, agindo contra a moral católica, a moral familiar, a
lei natural, e que ia acuando cada vez mais os religiosos e leigos atuantes na
Igreja, mesmo na Pastoral Familiar das paróquias e dioceses, dando a impressão
de que era preciso ceder, de que o mundo mudou mesmo, de que a realidade era outra
e de que a maioria já não aceitava mais as restrições morais no campo
familiar.
Naquela votação de 2005, em meio ao
movimento de gente entrando e saindo do plenário 7, ele me disse: "estamos
cada vez mais sem saber o que fazer". E ainda: "há muito que a Igreja
perdera seu protagonismo no campo legislativo, desde a aprovação do divórcio.
Hoje é o aborto, amanhã o homossexualismo, depois a eutanásia. Já não sabemos
como enfrentar tudo isso". E então, posteriormente, relendo com mais
atenção a Evangelium Vitae, e os demais documentos pontifícios
sobre a questão da família, e ainda Jacques Leclerc, Michel Schooyans
e outros autores, fui percebendo de que se tratava mesmo de um combate: o combate pela vida e pela família.
E mais: não estávamos preparados para tal combate; pois os inimigos assumiram
postos, se infiltraram, foram tomando posições diretivas, até mesmo dentro da
Igreja. Muitos preferiram então abraçar o relativismo. Como fazer para dar
conta dos inúmeros problemas, de várias situações de impasse, dos incômodos que
se agudizaram decorrentes da mais grave crise sofrida pela instituição
familiar, desde as primeiras civilizações da Antiguidade, há dez mil anos,
quando ela se consolidou como a primeira e principal das instituições humanas?
A tentação do relativismo falou mais forte. Para muitos, era preciso
flexibilizar a moral, fazer justamente aquilo que os adversários da Igreja
queriam, desde o início do combate: extenuá-la até forçá-la a aceitar a
capitulação. "Não sabemos o que fazer, mas a crise é grave,
gravíssima", reconheceu o membro da pastoral familiar. E concluiu dizendo:
"Temo que se aceitem as falsas soluções, as medidas mais fáceis, que em
vez de proteger a família dos ataques intensos, irão fragilizá-la ainda mais,
senão derruí-la de vez."
Passei o ano inteiro de 2006 lendo e
estudando a problemática do aborto, procurando saber de onde estariam vindo os
ataques contra a família. Não foi muito difícil ter acesso a vasta documentação
existente, de estudiosos sérios e pensadores bem informados, quase todos
conscientes de que se trata de um movimento de desestabilização social e
revolução cultural, que mirou seus
dardos contra a família e contra a Igreja Católica (a que mais defendeu a
família ao longo da História). O fato é que tal movimento não emergiu
espontaneamente, mas foi gestado e impulsionado por poderosas forças econômicas
e políticas, que passaram a financiar a cultura anti-família e anti-vida. Já no
começo do século XX e, principalmente, depois da Segunda Guerra Mundial, tais
grupos de poder (de modo especial as Fundações internacionais, como a
Rockefeller e a Ford) passaram a atuar e a protagonizar o ataque contra a
família e a moral católica, de modo sistemático e gradual, com tática
gramsciana, agindo por dentro da instituições, dos governos, e da própria
Igreja, financiando inclusive a dissenção dentro da Igreja, lançando no seio da
Igreja e em outras instituições sociais, os venenos de efeitos subterrâneos,
com fins de se atingir as raízes que por durante milênios fizeram da família a
mais sólida de todas as instituições.
Charles R. Morris, em seu livro "Os
Magnatas" (LP&M Editores, 2006), falando de Andrew Carnegie, John D.
Rockefeller, Jay Gould e J. P. Morgan, descreve o modo amoral como esses homens
acumularam fortuna financeira. "Nenhum deles era modelo de conduta".
Rockefeller, por exemplo, "era frio e cerebral", todos com
"manobras estratégicas", experts na especulação, no marketing e no
embuste. Ficaram notórios pelas "fraudes extravagantes" e reputações
arrasadas. Mas o que importa, se havia a obsessão pela prosperidade, e ficaram
bilionários? Forjadores de crises para sair delas mais ricos ainda, deixando
tudo e todos atônitos a sua volta. Não havia adversário que não fosse reduzido
a pó, por eles. E desde o início, quando já eram "donos do mundo" e
passaram a impor suas preferências e moldar a cultura dos demais povos, a
Igreja Católica foi vista como a adversária das adversárias, e tudo foi feito
para miná-la, em todos os aspectos, e mesmo quando acharam que já haviam dado o
golpe fatal, julgando que tinham liquidado com ela, de vez, houve quem ainda
reclamasse tratar-se de um cadáver difícil de enterrar. A pedra de Sísifo
voltava a rolar. O organismo reagia e tudo começava de novo.
Os alvos contra a Igreja prosseguiram. A
moral católica era o grande obstáculo a ser vencido para as fundações avançarem
em seu projeto totalitário de poder global. "Os inimigos que enfrentamos
são muito poderosos (...) O projeto de domínio global precisa ser feito com as
mentes e consciências daqueles que pretende subjugar", ressalta monsenhor
Juan Cláudio Sanahuja, membro da Pontifícia Academia para a Vida. Quando os
inimigos da Igreja viram que não era possível destruí-la por inteiro, então
descobriram que era possível desfigurá-la, descaracterizá-la, destituí-la, por
dentro, despojá-la de sua identidade. Que fique a casca, a aparência, mas o
conteúdo precisaria ser sugado e eliminado. E esse trabalho de desmonte por
dentro, começou de modo mais acentuado, quando John Rockefeller III esgotou
seus esforços em fazer convencer o papa Paulo VI em flexibilizar a moral
familiar católica na encíclica Humanae Vitae, publicada em 1968.
Rockefeller III esteve pessoalmente em audiência com Paulo VI e arguiu que o
mundo mudou, não dá mais, a realidade hoje é outra; querendo que Paulo VI
flexibilizasse a moral sexual católica, para justificar assim o controle
populacional, recorrendo ao aborto, se preciso, como método mais eficaz, como
desejava Margaret Sanger. Rockefeller III saiu da audiência com Paulo VI
convencido de que ele havia entendido de que era preciso mudar, flexibilizar.
Mas, para estupor de todos, Paulo VI não flexibilizou e manteve a moral
familiar de acordo com a lei natural, defendida pela Igreja, há dois milênios.
Rockefeller percebeu então que tinha de mudar de estratégia: passou a financiar
a revolução cultural. Teria paciência para isso, trinta, quarenta anos, não
importa. Mas atacaria a família e a moral católica de outros modos, até a
Igreja, acuada e extenuada, ter que flexibilizar, a pedido dos próprios fiéis
católicos. Numa entrevista, Francis Kislling, a fundadora das "Católicas
pelos Direito de Decidir" (financiada por tais grupos) assim afirmou:
"O direito ao aborto somente será definitiva e irreversivelmente estabelecido entre as mulheres quando, no dizer das Católicas, mais do que a legislação, puder ser derrubada a própria moralidade do aborto, e nisto a Igreja Católica não passa apenas de um alvo instrumental. A moral católica é a mais desenvolvida. Se você puder derrubá-la, derrubará por consequência todas as outras".
Essa foi a estratégia adotada: as Fundações desestabilizariam a sociedade a tal ponto, até que a maioria dos fiéis exigissem do papa a flexibilização. "Não foi, tudo isso, um movimento espontâneo - como me dissera o membro da Pastoral Familiar - mas forças econômicas e políticas poderosas agiram para isso".
"O direito ao aborto somente será definitiva e irreversivelmente estabelecido entre as mulheres quando, no dizer das Católicas, mais do que a legislação, puder ser derrubada a própria moralidade do aborto, e nisto a Igreja Católica não passa apenas de um alvo instrumental. A moral católica é a mais desenvolvida. Se você puder derrubá-la, derrubará por consequência todas as outras".
Essa foi a estratégia adotada: as Fundações desestabilizariam a sociedade a tal ponto, até que a maioria dos fiéis exigissem do papa a flexibilização. "Não foi, tudo isso, um movimento espontâneo - como me dissera o membro da Pastoral Familiar - mas forças econômicas e políticas poderosas agiram para isso".
Da audiência de Rockefeller III com Paulo
VI, os ataques contra a família e a Igreja se tornaram cada vez mais intensos e
sistêmicos. Rockefeller III foi convencido por Adrienne Germain de que era
preciso mudar de estratégia. Então, em 1974 (no mesmo ano do Relatório
Kissinger), Rockefeller III decidiu investir na revolução cultural, financiando
o movimento homossexual e o feminismo radical. Em 1978, Rockefeller III morreu
num acidente de carro, mas havia começado a acionar o processo da revolução
cultural, hoje bem avançado. Vieram logo em seguida outros investimentos nesse
sentido, como "a subversão silenciosa para concretizar o projeto de poder
global" - como conta Sanahuja - "impondo alguns novos paradigmas
éticos". Com isso, "erigiu o sentimento da maioria das pessoas como
base de toda decisão moral e legal". A lei natural - onde se alicerça a
família - passou a ser substituída pelo "utilitarismo sentimental da
maioria", explica Sanahuja. E acrescenta descrevendo "o novo
paradigma de família", denunciando a ideologia de gênero, imposta por tais
grupos de poder, como "um conceito-chave da reengenharia social anticristã
para subverter o conceito de família", impondo-nos "uma visão
anti-natural da sexualidade auto-construída, a serviço do prazer". Tudo
isso visando (afirma Dale O'Leary):
"1) menos pessoas, 2) mais prazer sexual; 3) eliminação das diferenças entre homens e mulheres; 4) que não existam mães em tempo integral", e que, com essa lógica da cultura da morte, a "receita para a salvação do mundo é: 1)anticoncepcionais grátis e aborto legal; 2) promoção da homossexualidade (sexo sem bebês); 3) curso de educação sexual para promover a experiência sexual entre as crianças e ensiná-las como obter contraceptivos e abortos, que a homossexualidade é normal e que homens e mulheres são a mesma coisa; 4) eliminação dos direitos dos pais, de forma de que estes não possam impedir as crianças de fazer sexo, educação sexual, anticoncepcionais e abortos; 5) cotas iguais para homens e mulheres; 6) todas as mulheres na força de trabalho; 7) desacreditar todas as religiões que se oponham a esta agenda".
Trata-se, como destaca o amigo Jorge Scala, "de uma nova antropologia, que deveria iniciar uma nova cultura. No entanto, essa doutrina, por sua falta de correspondência coma realidade, somente pode ser imposta ideologicamente, isto é, restringindo a liberdade das pessoas mediante uma articulada manipulação semântica, através dos meios formais e informais da educação".
"1) menos pessoas, 2) mais prazer sexual; 3) eliminação das diferenças entre homens e mulheres; 4) que não existam mães em tempo integral", e que, com essa lógica da cultura da morte, a "receita para a salvação do mundo é: 1)anticoncepcionais grátis e aborto legal; 2) promoção da homossexualidade (sexo sem bebês); 3) curso de educação sexual para promover a experiência sexual entre as crianças e ensiná-las como obter contraceptivos e abortos, que a homossexualidade é normal e que homens e mulheres são a mesma coisa; 4) eliminação dos direitos dos pais, de forma de que estes não possam impedir as crianças de fazer sexo, educação sexual, anticoncepcionais e abortos; 5) cotas iguais para homens e mulheres; 6) todas as mulheres na força de trabalho; 7) desacreditar todas as religiões que se oponham a esta agenda".
Trata-se, como destaca o amigo Jorge Scala, "de uma nova antropologia, que deveria iniciar uma nova cultura. No entanto, essa doutrina, por sua falta de correspondência coma realidade, somente pode ser imposta ideologicamente, isto é, restringindo a liberdade das pessoas mediante uma articulada manipulação semântica, através dos meios formais e informais da educação".
Com tudo isso, sabemos que, quarenta anos
depois de Paulo VI ter decepcionado Rockefeller III, o desafio dos bispos no
Sínodo de outubro, que terá como tema central a questão da família. Que
respostas darão agora? Fidelidade ao Magistério da Igreja, ou cederão às
pressões por flexibilização? Por isso, podemos dizer que depois de tantos
ataques sem trégua, e com todo o aparato tecnológico dos mass media,
requer que intensifiquemos a oração e a vigilância, no aguardo das respostas
que o Sínodo deverão oferecer ao papa. Sabemos que mais uma vez urge a coragem
dos sucessores dos apóstolos em serem fiéis à sã doutrina, pois a família,
primeira e principal de todas as instituições humanas, está hoje sob o fio da
navalha.
Hermes Rodrigues Nery é especialista em Bioética, pela PUC-RJ.
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